Nós somos a Crise!
Fico me perguntando até onde a mente humana pode ser tão meramente limitada. Somos criaturas per si imediatistas. Vejo o decorrer desta “crise mundial” como mais uma demonstração de nossa incapacidade de aprendermos com nossos erros.
Gostaria que daqui alguns anos eu releia este blog e ache graça do que escrevi. Mas duvido muito que isto aconteça.
Não precisaria ser um guru da economia ou vidente para imaginar que iremos pagar um alto preço pela mesquinharia, soberba e luxuria que pautamos nossas vidas. Desde que iniciou-se um processo de excelente crescimento econômico a nível mundial, pudemos observar que diversos governos pisaram fundo no acelerador e como um animal faminto debruçou-se cego para devorar os lucros exponenciais.
Surfar nesta mega onda de prosperidade foi o principal plano dos governos, inclusive o nosso, que a propósito, lucrou em muito associando a sua imagem no virtual “céu de brigadeiro”.
Onde eu quero chegar? Quero demonstrar que não temos liderança alguma, que não temos um líder capacitado de sensatez e perceber que um dia teríamos que frear essa locomotiva desgovernada!
Mas o que aconteceu com a economia? Íamos tão bem... Bom, inspirado no ex-candidato ao governo norte-americano MCain, terei o John – O Encanador, que no caso em minha história o chamarei de Paul - O Especulador:
Paul comprou um apartamento, no começo dos anos 90, por U$ 300.000 financiado em 30 anos. Em 2006 o apartamento do Paul passou a valer U$1,1 milhão. Aí, um banco perguntou pro Paul se ele não queria uma grana emprestada, algo como U$800.000, dando seu apartamento como garantia. Ele aceitou o empréstimo, fez uma nova hipoteca e pegou os U$800.000.
Com os U$800.000 Paul, vendo que imóveis não paravam de valorizar, comprou 3 casas em construção dando como entrada algo como U$400.000. A diferença, U$400.000 que Paul recebeu do banco, ele se comprometeu: comprou 1 carro novo (alemão) pra ele, deu um carro (japonês) para cada filho e com o resto do dinheiro comprou 2 TV’s de plasma de 63 polegadas, 43 notebooks, 1634 cuecas e o que sobrou jogou no bicho. Tudo financiado, tudo a crédito! A esposa do Paul, sentindo-se rica, sentou o dedo no cartão de crédito. Quanto amor!!!!
Em agosto de 2007 começaram a correr boatos que os preços dos imóveis estavam caindo. As casas que o Paul tinha dado entrada e estavam em construção caíram vertiginosamente de preço e não tinham mais liquidez...
O negócio era refinanciar a própria casa, usar o dinheiro para comprar outras casas e revender com lucro. Fácil...
Parecia fácil. Só que todo mundo teve a mesma idéia ao mesmo tempo. As taxas que o Paul pagava começaram a subir (as taxas eram pós fixadas) e o Paul percebeu que seu investimento em imóveis se transformara num desastre. Milhões tiveram a mesma idéia do Paul. Tinha casa pra vender como nunca.
Paul foi agüentando as prestações da sua casa refinanciada, mais as 3 casas que ele comprou, como milhões de compatriotas, para revender, mais as prestações dos carros, as das cuecas, dos notebooks,das tv’s de plasma, do vício no jogo do bicho e do cartão de crédito da amada esposa.
Aí as casas que o Paul comprou para revender ficaram prontas e ele tinha que pagar uma grande parcela. Só que neste momento Paul achava que já teria revendido as 3 casas, mas, ou não havia compradores ou os que haviam só pagariam um preço muito menor que o Paul havia pago. Paul se danou! Começou a não pagar aos bancos as hipotecas da casa que ele morava e das 3 casas que ele havia comprado como investimento. Os bancos ficaram sem receber de milhões de especuladores iguais a Paul. Paul optou pela sobrevivência da família e tentou renegociar com os bancos que não quiseram acordo. Paul entregou aos bancos as 3 casas que comprou como investimento perdendo tudo que tinha investido. Paul quebrou!
Ele e sua família pararam de consumir... Milhões de Paul’s deixaram de pagar aos bancos os empréstimos que haviam feito baseado nos preços dos imóveis. Os bancos haviam transformado os empréstimos de milhões de Paul’s em títulos negociáveis. (De onde arrumariam dinheiro pra emprestar para tantos caras bacanas feito o Paul??) Esses títulos passaram a ser negociados com valor de face. Com a inadimplência dos Paul’s esses títulos começaram a valer pó. Bilhões e bilhões em títulos passaram a nada valer e esses títulos estavam disseminados por todo o mercado, principalmente nos bancos americanos, mas também em bancos europeus e asiáticos.
Os imóveis eram as garantias dos empréstimos, mas esses empréstimos foram feitos baseados num preço de mercado desse imóvel... Preço que despencou. Um empréstimo foi feito baseado num imóvel avaliado em U$500.000 e de repente passou a valer U$300.000 e mesmo pelos U$300.000 não havia compradores.
Os preços dos imóveis eram uma bolha, um ciclo que não se sustentava, como os esquemas de pirâmide, especulação pura. A inadimplência dos milhões de Paul’s atingiu fortemente os bancos americanos que perderam centenas de bilhões de dólares. A farra do crédito fácil um dia acaba. Acabou.
Com a inadimplência dos milhões de Paul’s, os bancos pararam de emprestar por medo de não receber. Os Paul’s pararam de consumir porque não tinham crédito. Mesmo quem não devia dinheiro não conseguia crédito nos bancos e quem tinha crédito não queria dinheiro emprestado. O medo de perder o emprego fez a economia travar. Recessão é sentimento, é medo. Mesmo quem pode, pára de consumir. O FED começou a trabalhar de forma árdua, reduzindo fortemente as taxas de juros e as taxas de empréstimos interbancários.
O FED também começou a injetar bilhões de dólares no mercado, provendo liquidez. O governo Bush lançou um plano de ajuda à economia sob forma de devolução de parte do imposto de renda pago, visando incrementar o consumo, porém essas ações levam meses para surtir efeitos práticos. Essas ações foram corretas e, até agora não é possível afirmar que os EUA estão tecnicamente em recessão.
O FED trabalhava. O mercado ficava atento e as famílias esperançosas. Até que na primeira semana de outubro o impensável aconteceu. O pior pesadelo para uma economia aconteceu: a crise bancária, correntistas correndo para sacar suas economias, boataria geral, pânico. Um dos grandes bancos da América, o Bear Stearns, amanheceu, numa segunda feira, quebrado, insolvente.
No domingo o FED, de forma inédita, fez um empréstimo ao Bear, apoiado pelo JP Morgan Chase, para que o banco não quebrasse. Depois disso o Bear foi vendido para o JP Morgan por 2 dólares por ação. Há um ano elas valiam 160 dólares.
Durante a semana seguinte, dezenas de boatos voltaram a acontecer sobre quebra de bancos. A bola da vez foi o Lehman Brothers, um bancão!
Vimos o inglês Gordon Brown, o francês Sarkozy, a Alemã Angela Merkel e o russo Dmitri Medvedev (este, fantoche do Putin) arrancarem os cabelos nas as primeiras semanas de outubro. Impressionante como ali nos salões ovais eles deram-se as mãos e diferenças foram deixadas de lado. E a cada injeção de ânimo que era inoculada no mercado (cada “ampola” custava em média uns 200 a 500 bilhões), este reagia com mais caras legais feito o Paul, só que no mercado de ações, especulando nos valores dos papéis das empresas.
Daí toda vez que o Bush vinha a público, o preço das ações despencavam... Daí toda vez que o FED liberava mais dinheiro pro mercado, o preço das ações subiam...
Vou fazer um slideshow para você. Está preparado? É comum, você já viu essas imagens antes. Quem sabe até já se acostumou com elas:
Começa com aquelas crianças famintas da África. Aquelas com os ossos visíveis por baixo da pele. Aquelas com moscas nos olhos. Os slides se sucedem. Êxodos de populações inteiras. Gente faminta. Gente pobre. Gente sem futuro.
Durante décadas, vimos essas imagens. No Discovery Channel, na National Geographic, nos concursos de foto.
Algumas viraram até objetos de arte, em livros de fotógrafos renomados. São imagens de miséria que comovem. São imagens que criam plataformas de governo. Criam ONGs. Criam entidades. Criam movimentos sociais.
A miséria pelo mundo, seja em Uganda ou no Ceará, na Índia ou em Bogotá sensibiliza. Ano após ano, discutiu-se o que fazer. Anos de pressão para sensibilizar uma infinidade de líderes que se sucederam nas nações mais poderosas do planeta.
Dizem que 40 bilhões de dólares seriam necessários para resolver o problema da fome no mundo. Acabar! Resolver! Extinguir!
Não haveria mais nenhum menininho terrivelmente magro e sem futuro, em nenhum canto do planeta. Não sei como calcularam este número. Mas digamos que esteja subestimado. Digamos que seja o dobro. Ou o triplo.
Com 120 bilhões o mundo certamente seria um lugar mais justo.
Não houve passeata, discurso político ou filosófico ou foto que sensibilizasse. Não houve documentário, ong, lobby ou pressão que resolvesse. Mas em uma semana, os mesmos líderes, as mesmas potências, tiraram da cartola 2.2 trilhões de dólares (700 bi nos EUA, 1.5 tri na Europa) para salvar da fome quem já estava de barriga cheia.
Esta noite, o Citigroup anunciou que irá demitir 73 mil funcionários até janeiro de 2009, até outubro já foram demitidos 21 mil.
A classe media americana está pedindo falência, porque lá pessoa física pode abrir pedido de falência, e posterga a dívida em até 5 anos, mas precisa estar empregado. Cerca de 5 mil novos pedidos são registrados ao dia. Crescimento de 30% em outubro.
GM, Ford e Crysller, as maiores montadoras de automóveis dos EUA já anunciaram que precisam de socorro até o início de 2009, ou irão parar a produção. Nem precisa dizer o que acontecerá com milhares de funcionários...
O que começou com o Paul hoje afeta o mundo inteiro. A coisa pode estar apenas começando. Só o tempo dirá.
// Abilio Jr
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