Fare Well My Brother!
Daniel Alcântara * 29/11/1983 + 16/10/2008
Não sei como começar a dizer a dizer algo que nunca pensei que iria ter de dizer tão cedo. Não sei descrever a minha dor. Não ouso mensurar a perda.
Só sei que hoje quando acordei com o telefonema do Antonio, meu padrasto, dizendo que viesse urgente para casa do Daniel, ajudar a levá-lo ao hospital, porque ele estava desmaiado no banheiro, não me passou pela cabeça, em nenhum momento, que isto fosse mais que um desmaio.
Quando cheguei lá, dois homens já estavam carregando ele pela escada. Fomos para o hospital, que ficava apenas uma quadra de distância de sua casa, e quando o colocaram na sala de emergência, uma técnica de enfermagem demonstrou completa falta de sensibilidade e humanidade quando disse “esse aí já era!” na frente do Antonio.
Tentaram de tudo para reanimá-lo, mas seu coração não conseguia responder por mais do que alguns segundos. Quando a médica nos chamou para dar a notícia de que ele havia falecido, eu entrei em piloto automático. Em nosso desespero, nem tínhamos consciência de que quando chegamos a sua casa, ele já estava morto.
Meu irmão. Meu único irmão de pai e mãe. Irmão de uma vida inteira. Irmão de muitas experiências. Irmão caçula. Meu irmão, de repente, está morto! Eu o velei e enterrei seu corpo, e até agora, não acredito que isso aconteceu.
O médico legista identificou dois infartos. Um que ocorreu por volta de duas semanas atrás, e este último, fulminante, que dilacerou seu coração e lhe tirou a vida. Entre estas duas semanas ele reclamava de cansaço em excesso e dores no peito e na barriga. Todos nós recomendamos que ele fosse ao médico, e, no entanto, ele só foi à véspera, e se recusou a ir à emergência porque já tinha exames marcados.
Ninguém sabe como estou sofrendo, e nem eu mesmo sei o quanto ainda vou sofrer. O fato de eu ter dado carona a ele no dia anterior é ao mesmo tempo alívio e culpa - pois me deu a graça de ficar um tempinho perto dele antes do fim – mas me esmaga por dentro não ter um sexto sentido que me impulsionasse a perceber o quanto ele estava se sentindo mal.
Depois que ele saiu de nossa casa, sempre fez questão de mostrar que estava bem, que estava no controle. Sempre foi muito orgulhoso, e teve muitos amigos fiéis. Por isso nunca mais se abriu comigo, e nunca soube de nada por outros. E só fiquei sabendo que estava doente além do normal quando ele ligou para o nosso pai, dizendo que quase não consegui subir as escadarias no prédio onde morava. Ele resolveu pedir ajuda para quem estava mais distante, e não tinha como ajudá-lo na mesma hora, mas por isso ligou para nossa mãe e contou sua preocupação com o Daniel. E ela, que estava brigada com o filho desde quando ele saiu de casa, me perguntou, para minha surpresa, mas eu só soube dizer que ele me dissera horas antes que havia marcado mais de quinze exames a pedido do médico.
Eu me sinto muito, muito culpado. Ele era meu irmão mais novo. Era minha obrigação cuidar dele. Por mais independente que ele fosse, eu sempre deveria procurar saber como ele estava. Durante meses ele estava trabalhando na mesma empresa que eu, mas nós pouco conversamos. O ritmo do trabalho em um banco é implacável. Por causa dessa droga de crise financeira ele estava com medo de perder o emprego, mesmo sendo o melhor na sua área.
Não escrevo muito sobre ele, que teve toda uma vida própria, e bem mais intensa que a minha. Ele tinha várias bandas de rock, milhares de amigos, e uma filha maravilhosamente linda, que vou cuidar como se fosse minha filha, como sempre cuidei e protegi nos momentos em que ele não pôde estar por perto.
Em seu último dia no banco, ele estava na copa, contando ao pessoal como eu costumava brincar com ele quando éramos crianças, de que éramos de outro planeta e que estávamos aqui para salvar o mundo. No final ele disse que talvez estivesse na hora de voltar para o seu planeta.
Então vai em paz meu irmão... Vou cuidar de tudo por aqui pra você.
Definir é limitar.
Amamos a vida não porque nos habituamos com a vida,
Mas porque nos habituamos a amar.
// Nitzche